Passei os últimos dias em La Plata,
a capital da provincia de Buenos Aires, conhecida por estar planificada racionalmente, em uma grade regular,
de paralelas e perpendiculares a 90º. Seguindo essa lógica a mobilidade é (supostamente) bastante facilitada. Além disso, a cidade é totalmente plana e numerada (Rua 1, 2, 3...). O único mistério são as diagonais, com
direito ao alerta reiterado pelos locais “não entre em uma diagonal!”.
Como aprendemos em matemática na
escola, a menor distancia entre dois pontos é uma linha reta,
portanto as diagonais ajudam a mobilidade a pontos mais distantes.
Evita ter que dar tantas voltas. Mas é preciso um pouco de atenção,
ou concentração. E é sobre isso que eu quero falar.
Há quem diga que sofre com um "problema de
concentração". E aliás, isso tem garantido uma boa vida a muitos
especialistas em saúde mental. Meu devaneio de hoje é que o
“problema” de concentração tem muito menos de “falta” que
de “excesso”. Explico. A ideia de concentração parece prever UM dever ser, com a obrigação de continuidade no tempo, quando na
prática, o que acontece é que mundo nos interpela, e desperta
múltiplos possíveis focos. Micro concentrações. Sequências de
concentrações. Excesso de concentração.
Seguindo uma rua de número 53, sempre
reto (meu objetivo), as ruas perpendiculares são ascendentes em
direção ao sul (10, 11, 12...). Até que surge uma praça. Uma não,
duas. Entre as duas praças existe uma avenida de mão dupla, e
nenhum semáforo exatamente na rua 53. Um minuto, dois três. Todos
os carros do mundo. Frente à impossibilidade de seguir em frente, a
solução é ir um pouco mais à direita ou um poco mais à esquerda
(minha escolha) até a próxima faixa de segurança... rua 54.
Acontece que existe um meio fio, dois,
e muitas pessoas atravessando. Sigo em frente, atravesso três faixas
de segurança, até entrar em uma rua. Minha preocupação é não
ser atropelada. As perpendiculares seguem aumentando (14, 15).
Paro para recarregar meu cartão do ônibus. Sigo em frente (16, 17, 18). Outra praça. Presto atenção para ver onde estou. Cheguei na esquina 61 com 18.
Mas eu não entrei na 54? Não. Em algum momento girei o eixo do
corpo e entrei em uma (fenda) diagonal.
A demanda de concentrações por
segurança, seguir em frente e procurar um lugar para carregar meu
cartão não podem ser simplificadas como “falta de...”. Além
disso, a cidade é muito charmosa, e para quem não conhece é
impossível deixar de concentrar-se nos seus edifícios e paisagens,
nos estudantes lendo na praça, nas famílias passeando, no sol do
fim da manhã. Se para alguns a concentração está em um livro,
para outros ela estás nas distintas espécies de pássaros que
habitam a praça, ou no filho que brinca no tobogã, nos casais
possíveis compradores de flores. O que menos importa é seguir em frente e não entrar
em uma diagonal.