Silêncio. Shut up. ¿Por qué no te callas?

Se existem segredos para aprender coisas novas eu os domino com maestria e vou contar (foco de luz milagrosa surgindo entre as nuvens). O primeiro é começar cedo. Se já não é mais cedo, elimina-se a opção. O primeiro é ter um bom motivo. Mo-ti-va-ção. E não tem melhor motivo que uma necessidade. Uma obrigação linda pra chamar de sua. É só escolher: uma viagem dos sonhos, um plano B genial, um amor cinematográfico. Pode escolher mesmo, vá em frente, aventure-se.



Eu aprendi inglês com o primeiro-primeiro segredo. Dos 11 aos 18, da forma institucional, com um milhão de horas-aula, provas, algumas séries na tv a cabo e músicas. Sim! Mú-si-cas. Porque apreder tem que ser divertido. Mas só senti que sabia mesmo falar quando, já universitária, para conhecer gente, me inscrevi em um grupo de conversação. Basicamente, líamos e discutíamos alguns assuntos, assistíamos filmes. Nessa época acho que eu falava melhor em inglês que em português. Além disso, descobri que eu me apresentava para o mundo de modo diferente em português, começando pelo tom da voz, a gestualidade, era todo um personagem. ¿E se eu não falasse português? ¿E se eu tivesse nascido no Canadá? Idiomas novos ajudam a conhecer-se e reinventar-se.

Eu aprendi espanhol para fazer mestrado. Mentira. Eu comecei a aprender espanhol com Ricky Martin, Shakira e Alejandro Sanz (sem falar da Macarena, a rubia en el avión, e, é claro, algum refrão do Dominó). Nos últimos anos da escola, o espanhol era uma matéria obrigatória para facilitar a vida dos futuros vestibulandos (que palavra horrível). No vestibular eu escolhi a prova de inglês. O que acontece é que com o tempo, o que parecia divertido e necessário no passado começou a me bloquear. Tanto é que eu assitia aos estudantes hispanohablantes no Centro de Integração do Mercosul e nem tentava falar em espanhol com eles. Era todo muy parecido, eles estavam no Brasil, tinham que aprender a falar português. Obvio.

Qual não foi a surpresa, quando, em minha primeira viagem a Buenos Aires eu conheci o meu cúmplice. Argentino. ¡E falava inglês! Foram meses de negação e muitos e-mail how you doin'. Só quando decidi morar do outro lado do Río de La Plata é que percebi o tempo que eu tinha perdido (ainda estou falando de idiomas). ¿Sabe aquele papinho de auto-ajuda sobre zona de conforto? Eu tava ali. In English. Eu poderia ter aprendido espanhol e ensinado português, mas não. Aí eu não tinha mais tempo.

Quando recebi a confirmação da pós pedi-pra-sair do meu trabalho e tomei um semestre sabático em casa para organizar a minha cabeça e a tecla SAP (TAP, nesse caso... tun duntz). Leituras, gramática, exercícios... #querofalarmasnãoconsigo. Nada resolvia a insegurança que só foi embora quando recebi a primeira devolução de um trabalho monográfico (tá, nem foi embora, e eu ainda uso como desculpa para explicar porque demoro duas vezes mais que um nativo para fazer as coisas). Eu descobri, escutando, nas aulas e na vida (nutrição, mobilidade), que algumas coisas eu só podia dizer em castellano. E que o segundo segredo para aprender um idioma é esquecer que você não o conhece. Cala a boca, escuta e esquece a gramática. Parece perigoso esquecer a gramática quando você está em um ambiente acadêmico, mas o terceiro segredo é adotar palavras desconhecidas ao seu vocabulário. Quarto... Repita como um papagaio as palavras da moda, incorpore e naturalize os falso cognatos. É um jeito de deixar de falar portunhol. Evite falar instante, ou momento, e diga rato.

No ano passado eu passei o verão trabalhando com um projeto inimaginável pra o meu eu-do-passado: tradução. ¿Moça, mas você não era design designer? Sim, ¿e daí? Mas a proposta era linda: traduzir ao português textos sobre design que estavam ou em inglês, ou em espanhol. Mas eu não sou tradutora. Eu nunca traduzi. ¿Como faz isso? ¡Eu sou uma fraude! Nada disso... Já traduzi sim: na graduação, para amigos, abstracts, até curso disso eu dei, traduzi currículos e citações de autores estrangeiros... A diferença é eu nunca anunciei "sou tradutora", porque eu realmente não sou e respeito a formação alheia. Mas conhecia do assunto a ser traduzido, o projeto era em si um sonho e iam me pagar por isso. Sim, eu disse pa-gar, coisa que com design nem sempre acontece. Pronto, aprendi. Foi então que eu pude perceber o quinto segredo: para aprender é preciso esquecer. Eu já não sabia tanto de português como eu pensava, tive que estudar muito para chegar a um resultado aceitável, e isso não é culpa no Novo Acordo Ortográfico. Em dois anos sem praticar, eu não lembrava de substantivos no meu idioma materno. A ortografia se resolve no editor de texto, que por isso merece um bônus track, sexto segredo: o corretor de texto é o seu meu melhor amigo e é fácil de encontrar open source na rede.

Resumindo e fechando. Aprendi razoavelmente bem o castellano vivendo com o idioma. Agora tenho sotaque local e perdi a vergonha de ter. Adaptei o melhor de cada língua e convivo com o meu cambio constante de TAP, escrevendo mensagens em português enquanto leio textos em inglês para escrever artigos em castellano. [Fortsetzung folgt...]